segunda-feira, janeiro 31, 2005

o frio

de vez em quando o frio sabe bem. quando deixamos de nos roer por dentro com saudades de um calor que nos venha encher de risos e refrescos, conseguimos reconhecer que há uma beleza pura no frio. uma beleza que inspira, que serena, que ilumina com a luz subversiva com que o frio banha tudo aquilo em que toca, em que se reflecte, em que se projecta.

é uma beleza fria.

retesa os músculos da cara, mareja-me os olhos de lágrimas bem-dispostas e transparentes como o fio de água (fria, como convém) que deixo escorregar da torneira, de manhã, quando me olho ao espelho: é o frio da água, do espelho, do aço das torneiras, do branco dos lavatórios. é um frio estético que me desperta para depois se transformar num frio físico, claro, palpável...aquele que está nos passeios, na meia-luz do anoitecer, pendurado nas árvores dos jardins, metódico, persistente e nostálgico, descansando permanentemente no cabedal dos casacos, no pêlo quentinho das golas, na lã grossa das luvas e dos cachecóis. sabe bem, o frio.

o meu frio.