quarta-feira, outubro 27, 2004

recordações

partes de uma vida que já passou, pessoas que continuaram noutras direcções e emoções que foram risos, foram lágrimas, foram palavras e agora são só recordações. porque não se pode viver bem o presente sem um olhar no passado.

não me esqueci
do que fizeste, do que disseste
transformaste as minhas palavras
em tuas
veneno
aquilo que querias ouvir
não me lembres
não me digas
não me fales
que eu não preciso de ouvir o que tens para me dizer
e que eu já ouvi
e lembra-te apenas
que eu não me esqueci
...
um abrir e fechar de olhos momentâneo que congela o pensar
...
chorar, chorar perdidamente
limpar o espírito a alma a mente

chorar, chorar o coração
e as alegrias que não vêm e nunca virão

rir, rir e endoidecer
expulsar o êxtase esfusiante até ao anoitecer

rir, rir e não tardar
porque o sol se vai embora e o céu vai trovejar

e no fundo de que se trata
rir, chorar?
explodir, amar?
porque afinal, a alegria que se mata
não passa da tristeza que se guardou
a esperar

e aguardo infinitamente
essa espera, a quimera
o delírio do pensamento ardente

e esvaio-me em luto
porque tudo isto de que disfruto
não passa de uma ilusão
na minha imaginação

e rio, rio
rio até desesperar
e acabo, sorrio
no prazer entusiasta de chorar






sábado, outubro 23, 2004

pessoas

sorrisos que escondem indisposições, vozes bem humoradas mas que têm inflexões raivosas de vez em quando, olhares aparentemente perdidos e vazios em cabeças cujos pensamentos são indecifráveis para a maioria, antipatias que são inseguranças, gargalhadas tão sinceras que ninguém diria que na realidade são manifestações gritantes de ganância, vozes ríspidas em caras bondosas, poses auto-confiantes que disfarçam quem nem se consegue ver ao espelho, lágrimas forçadas, risos secos, gestos falsos... como se pode almejar a compreender a verdadeira natureza das pessoas?



ah, esqueci-me das indiferenças que mascaram paixões...

sábado, outubro 09, 2004

felicidade

é não pensar em nada e sair de carro sem destino, com uma boa companhia, e deixar que o vento me desalinhe o cabelo que tanto trabalho dá a pentear. é absorver o sol na pele, sentada numa qualquer esplanada de praia com os pés descalços e o sal no corpo. é dormir sossegada, sem luz nem ruído nem sonho que me perturbe o pensamento e a alma. é entrar numa pastelaria em dia de chuva, sacudir o chapéu e pedir qualquer coisa com muito açucar, creme ou chocolate. é preguiçar à conversa com a melhor amiga e dançar sem parar para um público imaginário, comer quando se tem fome, chorar à vontade quando a angústia inexplicada se acomete do nosso coração. é ouvir a nossa música favorita e cantá-la aos altos berros sem pensar sequer nos vizinhos que estão a tentar dormir a essa hora. é entregar-me de corpo e alma ao prazer sem reticências nem pontos finais e acordar de manhã a sorrir. é olhar para os sorrisos das pessoas de quem gostamos e sentir que realmente fazemos falta no mundo. é ter filhos, rir sem sentido, abstrair-me das responsabilidade nem que seja por umas horas, dar uma esmola a um velho sem-abrigo, dormir ao lado de um bebé, conversar todas as manhãs um bocadinho com a porteira, cheirar flores frescas, comer fruta na piscina debaixo do sol de julho. é tanta coisa, afinal.