segunda-feira, dezembro 20, 2004

"as memórias procriam como se fossem pessoas vivas"

é possível.

não diria exactamente procriam...acho que elas se infiltram em todos os recantos de nós e quando estão bem instaladas, atenuam-se, interligam-se, potenciam-se.

é curioso como quase todas as tragédias passadas perdem o desencanto, são atenuadas, esbatidas, algumas até ganham reflexos de lições de vida. as carrancas viram sorrisos, as palavras azedas tomam um doce rico e sereno. e a pior de todas as desgraças pode até vir a ser recordada de uma maneira positiva. depende das memórias.

os sorrisos multiplicam-se, e as recordações de verões amenos e primaveras solarengas unem-se às de outonos risonhos e alvos invernos, para todos juntos explodirem em sucessões de imagens que passam nas nossas cabeças sequiosas de um conforto do passado. que talvez nos possa ajudar a enfrentar o presente, não falando demasiado do futuro por agora, já que esse nada contribui para elas. as memórias.

as memórias são, para mim, como bengalas em terrenos pedregosos ou fachos de luz em escuras noites de vigília.

procriam-se.

as memórias.

sexta-feira, dezembro 17, 2004

natureza (humana)

odeio terramotos.

dos verdadeiros, que nos abanam por dentro e por fora e que acontecem sem sequer termos tempo de dar por isso, de pensar, de fazer qualquer coisa para lhes escapar. apanham-nos desprevenidos, fazem tremer até os alicerces mais fortes, tudo quanto é fraco e superficial cai por terra. costumam originar outros fenómenos, alguns ainda piores, toda a raiva da Natureza sem qualquer possibilidade de controlo. destroem-nos a paz e a tranquilidade, deitam os nossos planos abaixo. mexem connosco e com tudo à nossa volta para, quando passam, nos deixarem sozinhos a apanhar os cacos e a pensar "o que é que foi isto?".

e pensar que há gente que se consegue habituar.

quinta-feira, dezembro 16, 2004

da ignorância

uma espécie de peste que germina sozinha, não precisa que a alimentem nem que dela cuidem. nasce, cresce e multiplica-se a uma velocidade aterradora por esse mundo fora, alojando-se em tudo quanto é cantinho, desde a barraca mais miserável ao salão mais faustoso. faz amigos com facilidade, associa-se a tudo quanto é preconceito, tacanhez e mediocridade e vai pondo e dispondo, feliz, dos infelizes que, às vezes sem darem por isso, acabam presos nas suas grilhetas pegajosas.

e assim nascem as doenças sociais, as piores, as que matam através do neurónio e para as quais não há mezinha nem remédio. e por via de muitos séculos de aperfeiçoamento, nasceu a nossa fenomenal sociedade do politicamente correcto e da vida plastificada, em que a estupidez é tantas vezes camuflada e disfarçada com ajuda de tudo quanto há para aí de cosméticos sociais (e há tantos, animal-tested...). antes de mais, é imperativo avisar que este post não tem pretensões de evangelho social nem de hipócrita filosofia natalícia. aliás, não tem aspirações de espécie nenhuma, é mesmo bem humilde. quem quiser continua a ler, quem não quiser não lê. não é nenhum manifesto, são apenas ideias.

a grande consideração em que muitos dos nossos compatriotas se têm é de muitas maneiras revoltante. não consigo compreender que alguém se ache extraordinariamente importante quando não faz absolutamente nada para o ser. já conheci muito das pessoas, gente das mais variadas idades e backgrounds, e continuam a ser os medíocres os que mais sucesso têm em fazer-me perder a compostura. e atenção, por medíocres entendo todas as ovelhinhas que seguem cegamente os seus pastores, sem nunca pararem para pensar no caminho, e cuja única felicidade reside em melhor se integrarem no meio dos seus pares. vivem vidas vazias, de objectivos vãos, numa desresponsabilização (nem sei se existe semelhante palavra) total, compram tudo feito, não se perguntam como funcionam os mais básicos pilares das suas vida. são escravos do material, do dinheiro, do prazer fácil e imediato, da cultura do "usa-e-deita-fora". recusam-se a desafiar as convenções sociais, preferindo repetir ad lib tudo quanto lhes é tatuado no cérebro pelos meios de comunicação e por anos de salmoura em meios minados pela narrowmindedness. insultam os que se ousam diferenciar de alguma maneira, os bondosos, os honestos (palhaços!), os inteligentes (a perder tempo com livros depois ninguém trabalha...), os aventureiros, os bem educados (metidos a finórios, devem de pensar que são mais cós outros) e, principalmente, os que, para além de diferentes, parecem ser felizes. agh. espumam só de ouvir falar na felicidade alheia, porque no fundo também eles gostavam de sorrir, de sair do marasmo, de educar as criancinhas e de se divertirem com as coisas simples da vida. até porque o estilo, o nível, a posição social hoje em dia tão disputada (continuo sem perceber porquê) são convenções organizacionais usadas desde os primórdios da humanidade para controlar as sociedades. hoje em dia pura e simplesmente não funcionam, de tão baralhadas que estão, por isso nem vale a pena tentar cultivar pretensões a qualquer coisa.

eu abomino a mediocridade, sim. mas também abomino quem se esforça por ser diferente só porque sim, para chamar a atenção sobre si mesmo, para se fazer notar. é exibicionismo, é ridículo e deixa sempre passar uma terrível impressão de "palhaço infeliz", aquele que por trás da pintura e do show-off não passa de uma criatura vazia, arrastando-se, lamentando-se, sem nada fazer para afastar as suas desgraças, coleccionando-as, brincando aos mártires.

não sejamos imaturos. não estamos aqui para ficar nem vamos criar raízes. o universo é vasto demais para que nos possamos dar ao luxo de perder a humildade. não posso deixar de pensar que é burrice não aproveitar ao máximo o que temos à nossa disposição, perseguindo as nossas vontades e colorindo o melhor possível os dias cinzentos que desde sempre perseguem a nossa raça. a ignorância e o seu gang de amigos, rápidos como cometas e perigosos como a pior das pestes, fazem-nos perder tempo demais. optimismo em excesso? talvez, e então?


...

domingo, dezembro 12, 2004

emaranhado

o que fazer quando os nossos interesses colidem com os dos que nos rodeiam, as nossas aspirações não se limitam a simples constatações repetidas ao longo de muito tempo pela boca de muitas pessoas, a nossa liberdade é condicionada por inúmeros obstáculos, visíveis ou não, que nos impedem de levar a cabo os nossos empreendimentos mais básicos? o que fazer?
não será desonesto limitarmo-nos a reprimir as nossas vontades, com base no bom-senso e na manutenção da concórdia? e não será inconsciência, ou até egoísmo cru, passarmos por cima de tudo e de todos, desafiando as nossas próprias limitações, correndo em direcção ao mais profundo dos nossos desejos?

haverá uma altura em que percebemos "é agora ou nunca"? ou a incerteza que nos acompanha desde crianças permanece ao longo das diferentes fases da nossa vida, influenciando a nossa adaptação às circunstâncias que nos condicionam? talvez o excesso de optimismo e a crença positiva no futuro, essas variantes do sebastianismo, não passem de ilusões imaturas características de quem vive no delicioso ócio da juventude...talvez sejam elas que nos impulsionam, que nos guardam a chave para a felicidade futura e continuada. ou talvez o próprio conceito de "felicidade" não passe de uma quimera construída pelo ser humano, talvez para justificar a sua permanente insatisfação.

não acredito em certezas nem em verdades incontestáveis.

se a vida for, como me parece, uma permanente inconstância, a solução para as nossas dúvidas estará em perspectivar. se determinada visão de um assunto, objectivo, sonho ou filosofia de vida parecer não se enquadrar no contexto de pensamento em que nos demoramos nas horas vagas, experimentemos uma perspectiva diferente. não nos podemos dar ao luxo de recusar à partida aquilo que nos é desconhecido. talvez se deixarmos para trás as reservas e as inibições, se não nos tomarmos como seres certos, perfeitos, cujas falhas mal se notam, talvez consigamos ver com mais nitidez aquilo que pretendemos. talvez o processo da evolução esteja verdadeiramente na descoberta e não no aperfeiçoamento.

sábado, dezembro 04, 2004

as pessoas

Aquelas que me conhecem desde sempre.
As que nem sempre estão comigo. Mas não exigem nada de mim.
As que me fazem (sor)rir.
As que estão mais próximas.
As que eu gostaria que estivessem.
As que me deixaram recordações que eu nunca vou esquecer.
As que amei, por um minuto ou um mês.
As que ainda vou amar.
A que é. Ponto.
As Amigas.
As que gostam de mim.
As que me odeiam.
Aquela que é sempre a mesma, quer esteja a vinte metros ou a duzentos quilómetros.
As que conheço bem.
As que é como se conhecesse.
As que vou esquecer.

São tantas, As Pessoas...

terça-feira, novembro 30, 2004

presente (sic transit gloria mundis)


Não te quero dar o meu corpo, esse presente envenenado. Sim, hoje podes dizer que é Belo. A sua pele brilha com o reflexo da juventude. A saúde abraça-o e torna-o vigoroso e forte. Do escuro plácido dos seus cabelos podes ver que todo ele vibra, luminoso e macio, esperando o teu toque que o arrepie. Hoje seria um bom presente, fazer-te-ia feliz!

Mas amanhã, quando o tempo por ele passasse, cumprindo a sua ingrata e inevitável missão, de que te serviria esse cobiçado presente?

Eu quero dar-te a minha Alma.

quarta-feira, novembro 24, 2004

o regresso das maíusculas

Abri os olhos. Não via. Por trás de mim (ou seria à esquerda?) passava uma ténue corrente de ar, temperada por uma humidade que me fazia sentir algures num fim de verão perdido. Na minha cabeça reminisceram tardes de Agostos longínquos em que os refrescos de chá com folhas de hortelã controlavam o calor que se instalava em torno da casa, dentro de nós.

Levantei-me e de imediato fui tolhida por tonturas incontroláveis, pioradas susbtancialmente pela falta de visão, e que me pareciam estranhamente artificiais. Foi aí que percebi que provavelmente seriam efeitos secundários da(s) substância(s) que me haviam mergulhado no torpor do qual esforçava por me libertar. Habituado o cérebro à mudança de posição, dei dois passos na direcção contrária à da corrente de ar, levada por qualquer suposição instintiva de que encontraria uma saída ou algo que se assemelhasse. A esta hora já não sabia o que pensar. O meu pensamento tinha sido despido de toda a lógica, sobrando apenas a emoção e o instinto.

Nem sequer sabia que horas seriam, que dia da semana, do mês, do ano. Estava perdida. Não sabia onde, nem porquê, nem com quem. A suspeita de que a corrente de ar poderia não ser uma simples corrente de ar, e sim a respiração de uma pessoa, ou até de um animal maior que um cão, tomava conta de mim. Esfreguei os olhos repetidamente como se com isso conseguisse trazer alguma luz àquela...sala? Armazém? Não conseguia enquadrar o espaço onde estava em nenhuma construção arquitectónica familiar. Olhei...sim, eu via. Não havia era nada para ver.

Azul?

tic, toc, tic, toc...

dúvidas

será legítimo exigir o máximo das pessoas só porque nós próprios todos os dias nos esforçamos mais do que aquilo que somos capazes?

chamar-se-à intransigência ou simplesmente excesso de confiança?

segunda-feira, novembro 22, 2004

desafinada

acomodo-me, recosto-me na chaise-longue da minha imensa lassidão e demoro-me a ver o tempo a passar...a ver os que andam depressa, os que se esquecem de parar, os que se disfarçam em conversas rodopiantes, os que nem sequer passam.

observo e perco-me, afasto-me de onde estou e demoro-me mais uma vez...mas agora é em todo o lado e em sítio nenhum, nos confins do meu pensamento, da minha memória. e fico a revolver tudo o que encontro e sonho, imagino, perco-me tanto...

sombras imaginárias olhares do passado conversas desinteressantes.

e deixa andar e logo se vê e amanhã é outro dia e há-de sempre haver

uma próxima vez.


terça-feira, novembro 16, 2004

sonhos

fui abraçada por alguém que nunca me tocou.

passeámos de mãos dadas por onde nunca antes estivemos. partilhámos emoções em conversas intermináveis que nunca tiveram lugar, sorrimos um para o outro com trejeitos que nunca antes tivemos. e nos seus olhos, no seu sorriso, nas suas expressões inconfundíveis eu vi uma luz que nunca antes tinha visto. e senti-me tão bem por estar ali.

foi só um sonho que mais não significa para mim senão isso mesmo.

foi um sonho.

mas um sonho bom, daqueles que nos acorda com sorrisos e meiguice

domingo, novembro 14, 2004

tanto tempo

tanto tempo a tentar ser igual, a tentar ser diferente, estar de acordo com toda a gente, não querer falar com ninguém...a ver o mar, a ver o sol, a ver a noite e o seu barulho, o seu silêncio...a tentar olhar nos olhos de alguém e conseguir ler os seus pensamentos, porque é que eu não consigo, que raiva surda que me dá...

tanto tempo a compor pensamentos elegantes que agradem ou não, é indiferente porque ninguém lhes presta atenção ou será que prestam e eu não reparo? ou será que me desdenham, me invejam, me admiram, me praguejam e à minha indolência morna de quem vive num outono sem fim.

tanto tempo a gastar palavras doces e azedas, em nuances de vermelho azulado com toques de violeta (ou seria amarelo torrado?), em lânguidos navios de coral que deslizavam e sempre deslizarão nesses rios de papel por onde flutuas de vez em quando em sórdidas melancolias disfarçadas...sim, eu sei bem.

tanto tempo e afinal tão pouco, contado em seculares ampulhetas cor de mel, cheias dos sonhos e das penas de tantas iguais a mim e que nos vidros dos relógios que me vêem de longe se reflectem a sorrir.

é tanto tempo...mas não é tempo perdido, que o tempo não se perde.

engana-se.

quarta-feira, outubro 27, 2004

recordações

partes de uma vida que já passou, pessoas que continuaram noutras direcções e emoções que foram risos, foram lágrimas, foram palavras e agora são só recordações. porque não se pode viver bem o presente sem um olhar no passado.

não me esqueci
do que fizeste, do que disseste
transformaste as minhas palavras
em tuas
veneno
aquilo que querias ouvir
não me lembres
não me digas
não me fales
que eu não preciso de ouvir o que tens para me dizer
e que eu já ouvi
e lembra-te apenas
que eu não me esqueci
...
um abrir e fechar de olhos momentâneo que congela o pensar
...
chorar, chorar perdidamente
limpar o espírito a alma a mente

chorar, chorar o coração
e as alegrias que não vêm e nunca virão

rir, rir e endoidecer
expulsar o êxtase esfusiante até ao anoitecer

rir, rir e não tardar
porque o sol se vai embora e o céu vai trovejar

e no fundo de que se trata
rir, chorar?
explodir, amar?
porque afinal, a alegria que se mata
não passa da tristeza que se guardou
a esperar

e aguardo infinitamente
essa espera, a quimera
o delírio do pensamento ardente

e esvaio-me em luto
porque tudo isto de que disfruto
não passa de uma ilusão
na minha imaginação

e rio, rio
rio até desesperar
e acabo, sorrio
no prazer entusiasta de chorar






sábado, outubro 23, 2004

pessoas

sorrisos que escondem indisposições, vozes bem humoradas mas que têm inflexões raivosas de vez em quando, olhares aparentemente perdidos e vazios em cabeças cujos pensamentos são indecifráveis para a maioria, antipatias que são inseguranças, gargalhadas tão sinceras que ninguém diria que na realidade são manifestações gritantes de ganância, vozes ríspidas em caras bondosas, poses auto-confiantes que disfarçam quem nem se consegue ver ao espelho, lágrimas forçadas, risos secos, gestos falsos... como se pode almejar a compreender a verdadeira natureza das pessoas?



ah, esqueci-me das indiferenças que mascaram paixões...

sábado, outubro 09, 2004

felicidade

é não pensar em nada e sair de carro sem destino, com uma boa companhia, e deixar que o vento me desalinhe o cabelo que tanto trabalho dá a pentear. é absorver o sol na pele, sentada numa qualquer esplanada de praia com os pés descalços e o sal no corpo. é dormir sossegada, sem luz nem ruído nem sonho que me perturbe o pensamento e a alma. é entrar numa pastelaria em dia de chuva, sacudir o chapéu e pedir qualquer coisa com muito açucar, creme ou chocolate. é preguiçar à conversa com a melhor amiga e dançar sem parar para um público imaginário, comer quando se tem fome, chorar à vontade quando a angústia inexplicada se acomete do nosso coração. é ouvir a nossa música favorita e cantá-la aos altos berros sem pensar sequer nos vizinhos que estão a tentar dormir a essa hora. é entregar-me de corpo e alma ao prazer sem reticências nem pontos finais e acordar de manhã a sorrir. é olhar para os sorrisos das pessoas de quem gostamos e sentir que realmente fazemos falta no mundo. é ter filhos, rir sem sentido, abstrair-me das responsabilidade nem que seja por umas horas, dar uma esmola a um velho sem-abrigo, dormir ao lado de um bebé, conversar todas as manhãs um bocadinho com a porteira, cheirar flores frescas, comer fruta na piscina debaixo do sol de julho. é tanta coisa, afinal.