quinta-feira, dezembro 16, 2004

da ignorância

uma espécie de peste que germina sozinha, não precisa que a alimentem nem que dela cuidem. nasce, cresce e multiplica-se a uma velocidade aterradora por esse mundo fora, alojando-se em tudo quanto é cantinho, desde a barraca mais miserável ao salão mais faustoso. faz amigos com facilidade, associa-se a tudo quanto é preconceito, tacanhez e mediocridade e vai pondo e dispondo, feliz, dos infelizes que, às vezes sem darem por isso, acabam presos nas suas grilhetas pegajosas.

e assim nascem as doenças sociais, as piores, as que matam através do neurónio e para as quais não há mezinha nem remédio. e por via de muitos séculos de aperfeiçoamento, nasceu a nossa fenomenal sociedade do politicamente correcto e da vida plastificada, em que a estupidez é tantas vezes camuflada e disfarçada com ajuda de tudo quanto há para aí de cosméticos sociais (e há tantos, animal-tested...). antes de mais, é imperativo avisar que este post não tem pretensões de evangelho social nem de hipócrita filosofia natalícia. aliás, não tem aspirações de espécie nenhuma, é mesmo bem humilde. quem quiser continua a ler, quem não quiser não lê. não é nenhum manifesto, são apenas ideias.

a grande consideração em que muitos dos nossos compatriotas se têm é de muitas maneiras revoltante. não consigo compreender que alguém se ache extraordinariamente importante quando não faz absolutamente nada para o ser. já conheci muito das pessoas, gente das mais variadas idades e backgrounds, e continuam a ser os medíocres os que mais sucesso têm em fazer-me perder a compostura. e atenção, por medíocres entendo todas as ovelhinhas que seguem cegamente os seus pastores, sem nunca pararem para pensar no caminho, e cuja única felicidade reside em melhor se integrarem no meio dos seus pares. vivem vidas vazias, de objectivos vãos, numa desresponsabilização (nem sei se existe semelhante palavra) total, compram tudo feito, não se perguntam como funcionam os mais básicos pilares das suas vida. são escravos do material, do dinheiro, do prazer fácil e imediato, da cultura do "usa-e-deita-fora". recusam-se a desafiar as convenções sociais, preferindo repetir ad lib tudo quanto lhes é tatuado no cérebro pelos meios de comunicação e por anos de salmoura em meios minados pela narrowmindedness. insultam os que se ousam diferenciar de alguma maneira, os bondosos, os honestos (palhaços!), os inteligentes (a perder tempo com livros depois ninguém trabalha...), os aventureiros, os bem educados (metidos a finórios, devem de pensar que são mais cós outros) e, principalmente, os que, para além de diferentes, parecem ser felizes. agh. espumam só de ouvir falar na felicidade alheia, porque no fundo também eles gostavam de sorrir, de sair do marasmo, de educar as criancinhas e de se divertirem com as coisas simples da vida. até porque o estilo, o nível, a posição social hoje em dia tão disputada (continuo sem perceber porquê) são convenções organizacionais usadas desde os primórdios da humanidade para controlar as sociedades. hoje em dia pura e simplesmente não funcionam, de tão baralhadas que estão, por isso nem vale a pena tentar cultivar pretensões a qualquer coisa.

eu abomino a mediocridade, sim. mas também abomino quem se esforça por ser diferente só porque sim, para chamar a atenção sobre si mesmo, para se fazer notar. é exibicionismo, é ridículo e deixa sempre passar uma terrível impressão de "palhaço infeliz", aquele que por trás da pintura e do show-off não passa de uma criatura vazia, arrastando-se, lamentando-se, sem nada fazer para afastar as suas desgraças, coleccionando-as, brincando aos mártires.

não sejamos imaturos. não estamos aqui para ficar nem vamos criar raízes. o universo é vasto demais para que nos possamos dar ao luxo de perder a humildade. não posso deixar de pensar que é burrice não aproveitar ao máximo o que temos à nossa disposição, perseguindo as nossas vontades e colorindo o melhor possível os dias cinzentos que desde sempre perseguem a nossa raça. a ignorância e o seu gang de amigos, rápidos como cometas e perigosos como a pior das pestes, fazem-nos perder tempo demais. optimismo em excesso? talvez, e então?


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