sexta-feira, fevereiro 18, 2005
draft-sombra
estou a dormir. profundamente, consegues ouvir a minha respiração no silêncio do quarto. olhas para mim, sentado no chão, as pernas cruzadas, como se estivesses a ouvir alguém que te diz qualquer coisa que há muito querias ouvir. mas eu não te digo nada. durmo. respiro. esboço um sorriso e enrosco-me mais um bocado. tu continuas a olhar, não consegues perceber se a tua cabeça está vazia ou se bloqueou entretanto. já sentes as pernas dormentes de estar sentado há tanto tempo, já toda a gente se foi embora. levantas-te sem saber o que fazer, decides tapar-me com uma manta velha, deixada ao abandono nas costas de uma cadeira. tapas-me, não porque aches que eu esteja com frio, mas porque já desististe de tentar dominar a vontade que tens de te aproximar de mim. continuo a dormir enquanto me cobres devagar, com todo o cuidado para não me acordares. não me queres acordar, queres aproveitar esta oportunidade de me teres ao teu lado, no teu espaço, sozinha. quem sabe quando vais voltar a ter-me assim? sinto-te e estremeço, a mudança de temperatura faz com que eu entreabra os olhos. vejo-te vagamente e volto a sorrir. estou tão bem, apetece-me dizer-te. mas o que sai é "deita-te comigo". volto a adormecer, não me apercebo do que se passa. tu obedeces-me mecanicamente, com uma calma que te surpreende, como se já soubesses o que te ia dizer. e de certa maneira já sabias. já me tinhas ouvido, em sonhos confusos que não consegues recordar. não agora. mexes-te lentamente, queres ter os teus movimentos controlados. há qualquer coisa de místico no momento que não pode, não deve, ser interrompido. enrolas-te em mim como se fosse a única coisa a fazer, como se o universo inteiro dependesse do nosso abraço. e eu sinto o teu abraço, não abro os olhos mas volto a sorrir. aninho-me, encaixo-me e tu abraças-me com força, envolves-me e sentes-me e há um instante em que tudo parece querer parar. volto a adormecer sem ter a certeza de em algum momento ter estado acordada. estou tão bem, dizes-me.