terça-feira, maio 31, 2005

devorada


devoradinha, cortada aos bocadinhos pequeninos, estraçalhada e esfaqueada e fatiada fina. qualquer coisa que o seja - com força. poder e decisão e vontade e confiança e tudo o mais. a minha intensidade pede força - a minha pequenez também.

domingo, maio 29, 2005

em papel e caneta


são imensidões de azul-prateado que se estendem à minha frente. insurgem-se no meu vazio garrido e levam-me ao colo, de olhos bem fechados, para recordações próximas de outras cores - outros calores. encho-me de uma satisfação calma e imensa, de sorrisos desbragados e cinzas que se desorientam na inquietude dos movimentos e das sensações. são as tardes de primavera [quentes, em que o tempo - sempre tão pouco - parece querer congelar] que se opõem a este vento solitário e descontrolado que quer tomar conta de mim. eu congelo, com o tempo, para me derreter logo a seguir, em imagens que me torturam por não as conseguir guardar. não as guardo mas sinto-as: essa sensualidade que não é pictórica, não se ensaia nem vem em livro nenhum. é o que sinto contigo, sou eu, és tu. somos os dois quando abro os olhos. nas minhas mãos, o azul-prata do mar e do sonho.

sexta-feira, maio 20, 2005

cogitando

correndo, discorrendo, caindo na armadilha da filosofia barata, do pensamento fácil, da palavra falsamente profunda. escrevendo e reescrevendo, vezes sem conta, nas tais linhas que se prolongam como grandes estradas largas e infinitas em que os mecanismos da razão e da emoção se dissolvem num contraste. essa res cogitans que somos todos, a nossa cruz, abraçamo-la apesar do seu peso desmesurado e constante, e seguimos em frente como atlas que não têm outra escolha, outro remédio.

é o pensar que às vezes me trai. puxa-me e repuxa-me para mim, distrai-me e afasta-me do que tantas vezes devia ser. sou esmagada pela ponderação, pelo laissez-faire, pela hipótese de futuros que não o sejam nunca e que não consigam fazer mais do que torturar-me na hipérbole dos meus sentimentos. sei disso. sei que sou uma só, cabeça e coração lado a lado, aparafusados um ao outro numa eterna relação de intensa dualidade: os dois lados da moeda, mas na mesma face - sempre.

confundiu-me a explicação científica. perturbou-me e atingiu-me bem no âmago, relativizou-me e tornou-me, talvez até um pouco absurdamente, em apenas mais uma (porque, realmente, é o que sou em última instância). não me falta a humildade para reconhecer a minha pequeneza num plano cósmico, não se trata disso. todos os dias me asseguro da fragilidade de todo o equilíbrio. trata-se de querer acreditar - nessa dimensão espacial do pensar, nessa metafísica onde o incorpóreo toma forma e se destaca e todos nós somos mais do que apenas um.

quinta-feira, maio 19, 2005

[...]

presa
presa, amarrada, agrilhoada, capturada, cativa
de um único sentir - de uma única dança: a que danço contigo,
que me abraça e me leva ao colo para o meu pedestal.

perdida num sopro e achada
num gesto simples, num olhar cheio, num sorriso fugaz
e inspirador [revelador].

(em bocados de escuridão despedaçada e reconstruída, de ânsias devoluta, explosiva e inteira no exercício pleno do seu hedonismo e da sua paixão.)

terça-feira, maio 17, 2005

vejo


através dos sonhos e das paredes, das ambições descontroladas e das vontades exigentes e que me desgastam em ciclos de quente e frio desesperante. através do que é, do que agarro e toco e transformo, em manipulações efémeras e que só o são porque nem sempre me apetece deixar-me ir; gosto de ser controlada, e muito, gosto de me sentir peão ou cavalo sabendo de antemão que posso ser rainha sempre que me apetece; através de volteios e de sopros de meias-verdades e mentiras escondidas na opacidade da inflamável distância que perturba e corrói, na inalteração das constantes construindo a sua torre de camuflada indiferença. através das torres e dos castelos, da luta, dos leques que cobrem os olhares e esfriam as palavras, dificultando o que seriam de outro modo inatas traduções, tão agradáveis na sua simplicidade e delicadeza.

cega-me tanto quanto quiseres, eu vejo tudo.

life in red-tape heaven

[bom dia, estou caducada, quero voltar a ser eu] olhe não se esqueça de tirar a senha para ir para a fila tem que comprar o impresso no guichet pois, concerteza que tem de pagar próximo ai então se não tem vai ter que ir buscar o documento olhe a culpa não é minha não fui eu que inventei o sistema [transporte, poluição, gente, cinzento, fumo, gente] desça para o piso -1 talvez aí encontre o que procura [gente, cinzento, ar que pesa, gente, vazio] pois isso é aqui mesmo então não sabe mas como é que não sabe claro que tem que saber pois assim não a posso ajudar aliás vai ter que ir a sítio tal para conseguir o que quer posso-lhe arranjar aqui mas espera o dobro do tempo e vai-lhe custar o dobro do dinheiro [adeus, bom dia e vá-se foder mais os seus assentos] é aqui sim pois mas não está aqui de facto é esquisito veja lá se se consegue lembrar talvez lá em baixo eles lhe saibam dizer onde é que realmente está porque assim sendo...

[continuo caducada - azar]

sábado, maio 14, 2005

aparte

[deixar que o despir me dispa, de toda a ansiedade, de toda a calma insuportável que me trava e me encandeia com a sua insensatez. querer que o sentir me leve, e me deixe tocar-te, num mo(vi)mento quase insuspeito, imperceptível, conduzir-te com a estática, o magnetismo que me domina e me perde em eternidades tão fugazes e tão permanentes...querer que me enchas e me preenchas, não me deixes espaço para nada mais, segurar-te com a respiração de quem sente e deixar que me deslizes em fios de prazer imensos, tão leves e determinados na sua certeza e na sua satisfação.]

sexta-feira, maio 13, 2005

da melancolia em flor

brilhando em toda a sua soberba feita virtude, da grandiosa manipulação do prazer e da dor retirando o seu verve. como os tais dois gumes de uma só faca, existindo numa simbiose útil e desacerbada, como razão e emoção, num equilíbrio falsamente frágil dominando todo o sentir.

e sendo teatral e dramática, querendo mais público, exibindo o seu esplendor triste e fascinante como uma qualquer lua prateada realçando o escuro profundo do céu à volta. sobrevivendo de melopeias e sensibilidades, injectando o seu veneno doce e confortável enquanto se desdobra devagar em instantâneos a preto e branco.

florindo em sorrisos tristes e luminosos olhares desesperados...e (in)satisfeitos.

quinta-feira, maio 12, 2005

shuffle - repeat

(pausas que são reinvenções, juntando os bocados de nada como se fossem puzzles montados em câmara lenta, ao som de pianos quentes e distantes, ressoando no infinito de tudo isto e de muito mais. é um todo, afinal. é uma perspectiva multidimensional, cheia de pequenas sombras de pequenas luzes de pequenos focos de tudo. é uma orientação, um ponteiro, um guia de qualquer espécie, gurus imaginários que povoam histórias de distâncias infinitas em que tudo se baralha, tudo se parte, tudo se dá. como um jogo de azar em que para nada serve a perícia, o conhecimento, o raciocínio. são palpites quebrados e requebrados num contínuo apostar dos tais nadas que fazem o todo. palavras soltas, sem lógica aparente, sem correntes que as restrinjam, sem aspirações. só inspirações...)

quarta-feira, maio 04, 2005

querer os quereres

e os poderes, os deveres, os teres e os não-teres, todos na mesma dança acústica, frenética, deseperada e enevoada, feliz na sua melancolia, sempre sol e lua de um só tom, de um só brilho.

segunda-feira, maio 02, 2005

e voltando à realidade...

...como quem não quer a coisa, escrevendo em paz e sossego. sem dores de cabeça ou do que for, isso não, porque eu detesto ter que tomar remédios. gosto de sentir que posso controlar a dor, que ela passa mais cedo ou mais tarde, que não há-de ser nenhuma fórmula química comprimida que me vai salvar do remoinho.

...assim como se estivesse em retiro, fazendo uns exorcismos verbais que atenuem o cansaço do pensar e me dêem a satisfação de que preciso. como as noites em que me deito a saber que não há nada no dia seguinte que me arranque da modorra e me obrigue a correr por aí como se fosse uma louca subjugada a tiranias sociais ou de qualquer outra espécie.

...sentindo-a.

mataste-me (fantasmas)

mataste-me e eu morri. não quis sequer pensar em tentar lutar, resistir, sobreviver...mataste-me e eu, na minha placidez inexperiente, deixei-me morrer. e morri tanto, devagar, em bocados de tempo e de tortura que pareciam eternos e irremediáveis. e foram, realmente. sufocaste-me no teu olhar e no teu sonho imberbe (quando os dias eram curtos e as noites intermináveis e nós não pensávamos nunca) e esfaqueaste-me com a tua indiferença no dia em que não me conseguiste enfrentar. mataste-me e eu morri, sim, de uma morte intensa, quase lírica, se não fosse a mesquinhez que a enfeitou de grinaldas e a acompanhou sempre, tão inútil, tão cínica, tão grandiosa.

mataste-me, eu morri. [os teus olhos morreram também comigo]