segunda-feira, março 29, 2010

IV.

quero a tua mão na minha. quero sentir o enleio dos teus dedos e quero que eles me percorram e me façam querê-los ainda mais. quero que a tua mão se perca na minha pele à procura da consolação, e que não haja nada que a faça desviar-se do seu encargo, da sua missão. quero ver a tua mão desorientada em mim, sedenta e cega, e quero esmorecer sob esse desvario antagónico e injustificável. quero enrolar-me, completa, nessa tua mão hesitante e instável e fazer com que me enleves e me arrebates, com que me faças querer-te todo num intervalo temporal que não caiba numa escala qualquer e que se repita mesmo sem querer. quero ter a tua mão desvairada na minha boca a descoser-me, a despir-me, a deixar-me violenta de tanto que te sinto e do tão pouco que consigo controlar este querer profano e tentador. quero que a tua mão me enleie e me domine e me arraste num delírio de insensatez que seja só nosso, secreto e imoral e recôndito e perfeito como o são todos os sonhos. quero ter a tua mão transviada em cada milímetro de mim, a expropriar-me da minha natureza numa cadência infernal que me faça gritar até que não reste mais nenhum som dentro de mim e o amanhecer me leve num embalo até ao dia seguinte. 

e quero tocar-te de todas as maneiras e rasgar-te o coração vazio.

segunda-feira, março 22, 2010

III.

desperta-me e deserta-me. desata-me. não quero mais nada. não me movem ilusões de compromissos impossíveis, não me acordam imagens de grilhetas de ouro e de prata envoltas nos meus pulsos a dissuadirem-me da pouca liberdade que sobra, feitas as contas. não quero promessas nem juras de amor eterno, fáceis e vãs e melífluas na sua cantiga de rouxinol. não sei dar e receber como nesses ideais impostos por gerações de gente que caminha toda na mesma direcção, empurrada pelo mesmo vento. não gosto de convenções nem de palavras de certeza cobertas de arrogância e disfarçadas de sabedoria. desperta-me.

desperta-me com um acorde de uma canção desconhecida, faz-me ver que há mais mundo para além do que se põe à minha frente na corrida dos dias que se sucedem, todos iguais. dá-me o que quiseres, o que te aprouver, o que quer que seja que me faça querer-te ainda mais. dá-me tudo de uma vez como se o mundo fosse mesmo acabar amanhã, e não houvesse mais nenhum amanhecer. dá-me tudo e dá-me já, põe-me louca alucinada e deserta por mais um desses instantes que me prendem o respirar e me fazem querer congelar o tempo e guardar o teu olhar numa caixa de recordações, dessas que se enchem de bocados de vida.

desperta-me e depois deserta-me outra vez e deixa-me doente e vazia de noites que não acabam nunca.