quinta-feira, março 31, 2005

estava a olhar para o relógio...

...e apercebi-me que não olhava para um relógio há tempo demais. desabituei-me. a ver o tempo passar, o ponteiro dos segundos naquele tic-tic angustiante mas ao mesmo tempo apaziguador. a esperar que o ponteirinho passe o "12" para que o dos minutos avance também, lento mas determinado. a fazer o tempo passar. e o ponteiro das horas, mais pequeno (esse confesso que nunca fiquei tempo suficiente para o ver passar, mudar essa fracção com que nos controlamos e ao que fazemos - a hora, o tempo...).

já não olhava para um relógio há que tempos!

mas olhar com atenção, como não se faz aos digitais, que nos impõem o número em toda a parte, no computador ou no telemóvel, brutos e insensíveis ao tic-tic que se quer constante mas suave no seu movimento. para nos fazer crer que o tempo é um inevitável fluir, um ritmo que quase embala na sua absurda (mas tão concreta) cadência de controlo.

é como se os ponteiros fossem eufemismos para o tempo que passa.

segunda-feira, março 28, 2005

estou a escrever sim...

e para quê? para repetir incessantemente o que já foi escrito em linhas intermináveis onde milhares de letras se compõem com mais ou menos espaço entre elas, combinações imensas em que tudo o que se diz já foi dito mais ou menos vezes, com mais ou menos objectivo?

para quê? para poder ficar com a certeza de que o que escrevo não leva nem tão simplesmente irá levar a lado nenhum, mantendo-se nesta galeria de tantos quadros escritos, traduzindo desta maneira estática aquilo que só pode e deve ser solto em palavras, palavras que fluam acompanhadas naturalmente pelos gestos que lhes são indissociados?

para quê? para me poder tranquilizar, sabendo que há destino para estas letras, mesmo que o destino seja tão ensombrado pela incerteza que eu não o possa nem remotamente controlar (ainda que saiba que esse é precisamente o propósito do destino)?

não. nada disso.

escrevo porque quero mesmo, porque me apetece, porque me sabe bem toda a conjunção surrealista destas palavras silenciosas, porque me sinto lindamente neste exactíssimo momento em que os meus dedos deslizam (ainda que nem sempre com aquela decisão), porque apesar de toda esta conversa do que se diz ou se deixa de dizer estas letras entrançam-se naturalmente e só isso é suficiente para me satisfazer...

...for the time being.

domingo, março 27, 2005

a mão

suspira e segue o seu caminho sem saber
o que procura
nem o que vai encontrar

segue e revela-se e atropela-se na sua insensatez, e em cada
instante em que inspira -e suspira- perde-se
numa calma inconsequente que a faz

delirar em sombras de um qualquer sonho
difuso e incoerente que se perde em
cinzentos de chuva que abraçam os sentidos

e os fazem explodir em estilhaços de cores mil que não se
distinguem de tanto que se envolvem
até se dissolverem e se perderem

num qualquer adeus.

segunda-feira, março 21, 2005

encadeamento

(resumido)

não posso deixar de me sentir embrulhada numa melancolia que nem é doce nem amarga, que não é nada...

encontros e desencontros de nadas que vão atropelando outros nadas e os desequilibram como se o equilíbrio deles não fosse tão frágil como todos os outros. faíscas de luas que assombram as rotinas e os egoísmos e se traduzem em palavras que cada vez vão tendo menos sentido. ou se calhar não, mas isso depende de tudo e dos nadas e da coerência que se desintegra em velocidades cósmicas. como se a escuridão e a calma não fossem susceptíveis de qualquer perturbação, mas são. é tudo uma questão de sobrevivência, a análise que se vai a custo tentando fazer, ignorando os evidentes e os presentes e ansiando por passados e futuros que se confundem em melodias que se ouve pela primeira vez como se fosse a quinquagésima... são tudo clichés, todas as realidades que se sabe que existem mas que se espera que nunca se atravessem no caminho da estabilidade e que se constroem e se entranham sem sequer se manifestarem. todos os erros que se fazem e se deseja que não se repitam, mas o destino ou o raio que o parta parece que não respeita vontade nenhuma e há pessoas que têm uma sina. isso sei eu de certeza, apesar de secretamente querer que não seja assim e tentar acreditar que tudo é possível e que há sempre hipótese de subir

mais alto.

domingo, março 20, 2005

in london town


on the loose. living in the grey for a whole week and so typically complaining after five miserable minutes of arriving. and then getting lost between some moroccan food in a very glitzy restaurant and poor sashimi in some japanese fast-food joint. and how can they live after 11pm? not even the lebanese blonde had any luck with the off-license gentleman. no booze at all. and that stupid english rain that kept falling, ignored by the oblivious londoners (more than obviously used to the intermitent showers). going to the foreign office and hopelessly feeling like i was in a spy flick of some sort. blame the russian girl who claimed i had a lost twin living in st.petersburg. enjoying (or at least trying to...) microwave thai noodles with a supermodel and some asian people in a very lame hotel room. actually it wasn't that lame, i was just blinded by the lack of alcohol. no, actually i think there were a couple of nights i got even: the chianti the nice italian in the restaurant so kindly offered us (me being slightly mediterranean and everything...it's amazing where olives get you) and the whiskeys that the south-african guy kept buying me in the hotel bar. i guess he was just trying to get me drunk but you can't do that with just four glasses, who was he kidding. oh, and that obnoxious australian girl who kept talking in some hideous high-pitch tone like there was no tomorrow. and soho, that was cool. sort of. must not forget trying to give an acceptable speech to an unbelievably massive audience with a monstrous cold (pausing every thirty seconds to cough...miserable performance). hell, i did try...but i guess two-hours sleep didn't help much either. then trying desperately to explain an american 15 year-old that portugal isn't anywhere near poland. and, no it's not part of spain either you ignorant twat. truth is, no matter how many times I fly in and out, there'll be nothing quite like the first.

sábado, março 19, 2005

das floristas

envoltas em ares que se respiram húmidos, com o cheiro da terra no nariz e nas pontas dos dedos e deixando gotas de água perdidas em fuga por entre as pétalas de arco-íris. sempre gostei de floristas e do celofane horroroso (na maior parte das vezes) que usam para cobrir aquelas amálgamas de natureza raptada e controlada, não menos bela por causa disso. beleza constrictor. cheiros de rosas, gerberas, túlipas e estrelícias (as "lindas flores") todas em alegre convivência por entre fetos e outras folhagens, algumas inomináveis outras que dão saudades e vontade de voltar aos jardins desaparecidos. e nos arranjos que se vão construindo com alguma rapidez, a perícia de quem domina caules e folhas, nas enormes coroas funerárias, nos molhos de rosas amarelas, nos cor-de-laranja e nos lindíssimos azuis artificiais, no cheiro, aquele cheiro intenso a húmido e a terra e a natureza amordaçada...

sexta-feira, março 18, 2005

considerações maltusianas em observação informal

"locke afirma, se a memória não me atraiçoa, que o esforço para evitar a dor mais do que a busca do prazer constitui o grande estímulo para a acção na vida; e, contemplando qualquer prazer em especial, não seremos impelidos para qualquer acção a fim de o obter, até que a sua contemplação tenha continuado por tanto tempo ao ponto de atingir uma sensação de dor ou desconforto pela sua ausência."

(thomas malthus, ensaio sobre o príncipio da população)

que a dor é motor para a procura de um prazer que a dissolva ou afaste é mais do que óbvio. mas que a sentimentalização racional se sobreponha ao mero aproveitamento (no sentido de apreciar o mais possível) daquilo que serão, mais do que prazeres, os temperos da nossa existência enquanto seres humanos pareceu-me já inverosímil mas, por saber que é real, parece-me só deprimente.

quinta-feira, março 17, 2005

dreaming...

harsh voices that said things so soft
but they'll never be heard again, they live only
in the heads of those who remember.

flowers of exotism and neverending
colours that will never bloom again but
in the heads of those who remember.

times of warm laughter turned bitter
and the look of those who strive everyday
to make the worse a little better.

I dream with green eyes that have grown
opaque and in them I search for a gleam
that I'm not really sure was ever there.

losing myself between the pleasantries
of the memory and the bright hues of the
ever so tiring today, if only it would stop

attacking me so blandly and tenderly
throwing its tentacles of hope and objectivity
around my peaceful resignation (desperation).

I dream with a day when I finally find
myself and everything that surrounds me
starts making just that sorry bit of sense.

until then it's grey sunny afternoons and
keeping all the memories away until they
become uncertainties and eventually melt

into ringing bells in autumn mornings
where you can actually smell what is now
in the heads of those who remember.

quarta-feira, março 16, 2005

o dia em que mergulhei da ponte sobre o tejo

era assim um dia de sol, como estes que têm estado. e ainda bem, porque quando está nevoeiro é mais difícil planear a queda, calcular o mergulho...porque eu não me atiro de sítio nenhum sem saber exactamente o que está por baixo. às cegas não, por princípio e por contrato. coitada da minha mãe, ainda eu mal andava e já conseguia trepar para cima das cadeiras para depois me atirar de cabeça para o meio do chão, fosse chão de madeira, cimento ou relvado. se não é loucura? há tanta gente louca neste mundo...e eu ao menos não faço mal a ninguém. se alguém se magoa sou eu e só eu e mesmo assim depois de tantos anos a cabeça já se habituou à pancada. dizem que sou imortal lá porque eles se tentam atirar de um terceiro andar e em vez de se levantarem despedaçam-se todos, hospitais e não-sei-quê...mas isso é porque têm medo. não percebem nada e acham que a queda em si não tem nada de especial, é so gravidade...é uma "loucura", dizem-me. loucura é perder a sensação da queda, a cegueira que dá quando o tempo e o espaço congelam naquele corredor de vazio e nada mais.

porquê a ponte? porque é maior, não em altura. já saltei de prédios maiores. o que me cativa é o espaço à volta, só água, as duas margens do rio a abraçarem-me e o verde e o azul a confundirem-se. só é pena o estado em que está o tejo, assim não dá para apreciar devidamente o mergulho. mas antes assim do que o alcatrão, já me fartei de aterrar no alcatrão. é duro demais, ao fim de um tempo começa a fartar. a pancada é muito seca, a àgua deixa-me continuar com a sensação de queda durante mais um bocado. se não me canso? nunca, ora essa. a vida para mim não é vida sem uma boa subida, daquelas que quando chegamos lá acima podemos ver tudo à nossa volta e pensamos em como o mundo é tão grande, sabe?, que é para depois, de um salto só (sem hesitações, sempre que hesito não salto porque é perigoso demais) deixar tudo para trás e sentir na barriga aquele frio da coragem alucinada. faz-me sentir gente, mesmo. e depois a queda, o aterrar, a pancada que me diz "acabou-se". e me deixa a pensar na próxima, que isto é mais que vício. quando se começa nunca se pára.

e os dias de sol são muito melhores para isto, entende?

terça-feira, março 15, 2005

o sonho (vislumbre de pseudo-poesia)

o sonho...ou a virtude
a virtude de ser leal, de ser real
de saber que para tudo tem de haver sempre
um limite

um fim?

mas o sonho...o partícipio da imaginação, a verdadeira liberdade
liberdade de acção, de reacção, de solução
a derradeira afirmação do eu melhorado

do eu sonhado

(do sonho e da virtude nem exagero...nem
inquietude)

segunda-feira, março 14, 2005

(intervalo)

(a pensar no que foi)

são tantas as memórias e tantas as vitórias
que não há dissabores que se mantenham perenes.
enquanto os cinzentos se enchem de cor, devagarinho e a luz da recordação

baralha tanta coisa.

(a pensar no que será)

desenhos de nuvens de rolos fotográficos (se é que ainda os há...)
onde se vê uma luz de cor indefinida, pode ser quente, pode ser fria
e onde os contornos das imagens se alteram todos, todos

os dias.

(pensando no que é)

...

"é o preço que temos a pagar..."

não por não termos nascido homens. graças a um qualquer acaso de cosmos e genética, estamos num contexto espaço-tempo que até nem é desfavorável ao nosso belo género. não.

é por não querermos subjugar as nossas vontades a pseudo-convenções ultrapassadas, resquícios de mentalidades que simplesmente já não se usam e que nada mais são do que apanágio de gente, simplesmente, mal educada. é por querermos ter amigOs, viver em paz e sossego sem que haja intromissões injustificáveis nas nossas vidas. é por querermos ser autónomas e decidir das nossas sortes e dos nossos azares sem que com isso tenhamos que ser imediatamente associadas a qualquer coisa que seja. é por termos prazer em viver e nem um pingo de vergonha de o admitir. e sair à noite todos os dias se nos apetecer e passar o dia inteiro a comer se estivermos para aí viradas e estar com as pessoas que quisermos, quando quisermos, indiferentes a géneros, cores, classes sociais e outras tretas dessas. por não nos querermos prender a efemeridades e por querer que os nossos sacríficios sejam válidos e reconhecidos.

é o preço que pagamos por não querer ser como as outras.

domingo, março 13, 2005

exercício psicanalítico em noite de calma total

é uma disfunção crónica, uma eterna e definitiva incapacidade de ter uma só perspectiva das coisas, das pessoas, das ideias. não sei escolher, não sei separar, não sei concretizar. e este abstracto que domina tudo o que desde sempre fui e sou, que me constrói em antagonismos e me faz compreender perfeitamente o significado da relatividade, não deixa de me surpreender a cada dia que passa.

porque eu não acredito em caminhos únicos, em perspectivas inalteráveis, nada é tão estático que não se possa alterar. e às vezes basta um detalhe para clarear o escuro, amargar o doce, colorir o cinzento and so on...

e é a incerteza da inalteração que faz com que os medos e os desejos se confundam, fazendo com que cada segundo de cada minuto de cada hora seja um inédito com repercussões imprevisíveis.

a curiosidade torna-se natural, uma extensão da procura permanente da surpresa, que já não é de admirar que todos os dias haja uma partícula do meu mundo que se altere, que se desmonte em mil outras que transformam uma certeza numa novidade. faz parte da contradição, do frágil equilíbrio entre o pensar e o sentir, a simbiose imperfeita que é a realidade do meu imaginário.

e talvez seja por isso que não me admirei nada de ter chegado a casa a pensar em ti.

segunda-feira, março 07, 2005

e como...

...há assuntos que são demasiado pessoais para escrever sobre eles (até porque nem discernimento há para tentar) e como há outros que davam tantos posts mas que pura e simplesmente não valeria a pena perder tempo até porque eu já sabia, mas não custa tentar pois não?; e como o que me vai na cabeça não passa de emaranhados de palavras que são soltas mas que me aparecem em sonhos todas sobrepostas, numa sucessão horrível de desilusões e pressões e pedidos de ajuda do meu próprio subconsciente submerso em olhares que se confundem e vozes que pesam na cabeça; e como o meu dia-a-dia me sabe tão bem com excepção daqueles espasmos de solidão inexplicável quando chega o fim do dia e o cansaço pesa nos ombros e no pescoço e na cabeça e no coração e como eu sou capaz de me sentir tão desesperadamente culpada por saber que tenho tanta sorte e ao mesmo tempo sou capaz de me queixar tanto; e como eu ainda consigo ter força para tanto e tudo ao mesmo tempo e como me faz mal não ter hipótese de satisfazer os meus desejos quando quero porque eu preciso, e como...e como eu finjo que há certas coisas que não vejo ou que não me perturbam ou que não me baralham ou que não me interessam ou que não me preocupam, oh que magnífco panto que se encena por aqui, miserável comédia de enganos e ilusões; e como a vida é realmente tão simples mesmo que se tente complicá-la só porque sim e como às vezes é tão difícil lidar com a visão da vida toda à nossa frente.

terça-feira, março 01, 2005

olhar


não é muito, penso eu, se te pedir que olhes para mim com atenção, com cuidado, com olhos de quem vê e não de quem se limita a olhar.

se te pedir que me olhes nos olhos e que não os desvies, nunca, até que consigas ver bem para lá do que está, simplesmente, à vista. bem para lá do que deixo ver.
se te pedir que olhes para mim e que me observes, irracionalmente, incondicionalmente, até que um olhar se traduza em míriades de frases-canção.

se te pedir tudo isto e ainda que me deixes em paz, não será muito, acho eu.