quarta-feira, março 16, 2005

o dia em que mergulhei da ponte sobre o tejo

era assim um dia de sol, como estes que têm estado. e ainda bem, porque quando está nevoeiro é mais difícil planear a queda, calcular o mergulho...porque eu não me atiro de sítio nenhum sem saber exactamente o que está por baixo. às cegas não, por princípio e por contrato. coitada da minha mãe, ainda eu mal andava e já conseguia trepar para cima das cadeiras para depois me atirar de cabeça para o meio do chão, fosse chão de madeira, cimento ou relvado. se não é loucura? há tanta gente louca neste mundo...e eu ao menos não faço mal a ninguém. se alguém se magoa sou eu e só eu e mesmo assim depois de tantos anos a cabeça já se habituou à pancada. dizem que sou imortal lá porque eles se tentam atirar de um terceiro andar e em vez de se levantarem despedaçam-se todos, hospitais e não-sei-quê...mas isso é porque têm medo. não percebem nada e acham que a queda em si não tem nada de especial, é so gravidade...é uma "loucura", dizem-me. loucura é perder a sensação da queda, a cegueira que dá quando o tempo e o espaço congelam naquele corredor de vazio e nada mais.

porquê a ponte? porque é maior, não em altura. já saltei de prédios maiores. o que me cativa é o espaço à volta, só água, as duas margens do rio a abraçarem-me e o verde e o azul a confundirem-se. só é pena o estado em que está o tejo, assim não dá para apreciar devidamente o mergulho. mas antes assim do que o alcatrão, já me fartei de aterrar no alcatrão. é duro demais, ao fim de um tempo começa a fartar. a pancada é muito seca, a àgua deixa-me continuar com a sensação de queda durante mais um bocado. se não me canso? nunca, ora essa. a vida para mim não é vida sem uma boa subida, daquelas que quando chegamos lá acima podemos ver tudo à nossa volta e pensamos em como o mundo é tão grande, sabe?, que é para depois, de um salto só (sem hesitações, sempre que hesito não salto porque é perigoso demais) deixar tudo para trás e sentir na barriga aquele frio da coragem alucinada. faz-me sentir gente, mesmo. e depois a queda, o aterrar, a pancada que me diz "acabou-se". e me deixa a pensar na próxima, que isto é mais que vício. quando se começa nunca se pára.

e os dias de sol são muito melhores para isto, entende?