quinta-feira, abril 01, 2010

entrelaçamento (V.)

sentiu-se vazia como sempre se sentia nas alturas em que tinha de dizer adeus. era desagradável aquela sensação de abandono, de fim, de histórias que não se repetiam nem se voltavam a encontrar na sobrevivência que era a sucessão dos dias. às vezes era mais fácil, dependia das situações, dos ventos dominantes e principalmente de quem recebia esse adeus, já de sua natureza tão pesado na semântica. este era um adeus difícil e denso, dos que se arrastavam e que a seguiam para onde quer que fosse depois, lento e ligeiramente incómodo por ser tão lentamente sufocante. não queria só dizer adeus, queria dizer uma coisa bonita, algo que cobrisse o momento de uma camada de leveza poética e eloquente, engraçada até. mas não conseguia dizer nada porque estava cinzenta e magoada e não queria dizer adeus. não queria acatar a injustiça por saber que era tão real, por não querer acreditar que estava acorrentada ao sistema que sempre tinha sido alvo do seu escárnio e do seu desprezo mais profundo, por detestar todos os adeus. e principalmente porque a cada adeus gerado por um largar de amarras, não conseguia deixar de sentir mais uma grilheta dourada a fechar-se nos seus pulsos, transformados em alimento de um polvo nauseante com tentáculos que se colavam e lhe manchavam a pele. costumava sentir nestas alturas um ímpeto súbito de saltar fora, de virar as costas e sair a correr, num impulso predatório em busca da liberdade e da paz que almejava todos os dias, numa ânsia descomedida de fugir. mas não, este adeus era cerrado e todo ele cheio de um negrume que lhe desmontava o coração em pequenas e melancólicas peças desprovidas dessa virtude teologal designada esperança. queria revogar aquele adeus, retirar-lhe qualquer validade e torná-lo nulo, porque assim saberia que ele não era real nem efectivo e que assim poderia protelar o vazio que se apoderava dela e a alimentava à força com as lágrimas que era obrigada a aprisionar. 

no fim do dia reuniu as palavras e as lágrimas e a escuridão e metamorfoseou-as num abraço que quis que durasse para sempre e guardou esse instante na lembrança esperando que o entrelaçamento fosse suficiente para manifestar o que não conseguia dizer

e sentiu saudades.