terça-feira, setembro 13, 2005

não existe mais nada

viu o entardecer quente e luminoso, como os entardeceres em que atava as recordações aos postes da cama, com algemas de raios de sol e olhares de ternura dominadora. este entardecer dizia-lhe segredos, tal como os outros entardeceres que a envolviam em palavras de canela e mel que a suspendiam no sonho, quase inconsciente. e eram segredos inocentes, segredos que não estavam ainda soltos, suspensos. eram segredos que a faziam sorrir um sorriso decrescente, como o sol que desaparecia lentamente no horizonte incendiado de vermelhos. o sorriso arrastava-se com os filamentos rosáceos do entardecer, esses entardeceres em que o mundo congela e não existe mais nada, mais ninguém. e ela deixava que o sorriso se arrastasse, aproveitava-o antes de ele se transformar numa noite fechada, de luzes de prata e reflexos fugidios. uma noite como as que lhe cantavam odes de solidões deixadas às avessas, como as noites em que ela se deixava atar pelas recordações, levada pelos raios da lua e pelos olhares de submissão atenta.

e antes que o último bocadinho de sol se desvanecesse numa fúria púrpura, ela fechou os olhos e pensou que naquele instante não existia mesmo mais nada, mais ninguém.