quinta-feira, março 30, 2006

a crónica [das pessoas] sem graça

não se aguentam os sorrisinhos cretinos das pessoas auto-intituladas "felizes". para mim é tudo treta, nem mais nem menos. ninguém minimamente inteligente se pode considerar minimamente feliz. esses dissimulados são tristes como todos nós, só que enquanto nós gastamos o nosso tempo e o nosso (pouco) dinheiro em coisas que só interessam ao diabo (livros, conversas, almoços, pares de sapatos que nunca vão sair da caixa...) "eles" vão gastando tudo e mais alguma coisa numa complicada operação de estratégia para disfarçar a tristeza de vida que não compreendem. e gera-se toda uma indústria de felicidade engarrafada. com prazo de validade, ah pois é. nada que a corporación dermoestética não possa vir a resolver.

o que eles não resolvem de todo é a falta de graça das pessoas. e eu gosto dessa graça ácida que ou se tem, ou não. e se não se tem, mais vale investir nuns bons livros do que num bom rabo - porque sem graça nunca passa disso. gosto de pessoas-limão, sarcásticas e divertidas, que vejam a graça das coisas que não têm graça nenhuma. como os funerais, o benfica ou a tvi. pessoas pouco sérias mas que saibam concentrar-se no universalmente interessante e deixar de parte as cervejas tango e outros embarrilanços afins. pessoas engraçadas, na verdadeira e total acepção do adjectivo. todas as outras podem fazer um favor ao mundo e comprar um bilhete de ida sem volta para o rock in rio lisboa, que a gerência agradece e faz a sua vénia.

[claro que isto é tudo mentira, eu também gosto das tais pessoas felizes e sem graça. sem elas, iam restar-me muito poucas coisas para gozar quando me dá a neura.]

terça-feira, março 28, 2006

às tantas

não param de ecoar na minha cabeça assobios, ou antes, sopros - murmúrios levezinhos de conversas que nunca acabaram ou que foram ficando a meio em alturas de letargia partilhada. no meio dos entretantos há sempre uma imensidão de coisas que não se dizem. que se comem, invariavelmente por falta de uma qualquer coisa, e que vão desaparecendo conforme as convalescenças e a falta de paciência para os desatinos melodramáticos. e há sempre um lume que vai ficando aceso, uma chama-piloto que ora se limita à sua função avisadora ora explode em faíscas que não se aguentam de tão incandescentes.

há sempre um olhar, um toque, uma palavra, um farol.

os meus erros aproximam-me das fatalidades do inevitável e acabam sempre por me afastar do que é, agora. há sempre uma pacienciazinha, uma esperancita pirosa, uma vontade mundana de experimentar ser diferente por uma vez, caindo no logro do estereótipo confortável em que a conduta standardizada e cheia de certezas facilita a vida a toda a gente. dá[-se] sempre [um] jeito. não dá coisa nenhuma, não adianta, congela-se aos bocados porque soa tudo a falso, porque se não há feitio também não há feito. e há dias em que a única coisa que há é uma vontade louca.

só uma nota de rodapé

(antes de mais nada)

quem me dera saber tanto que pudesse perceber o que quero. se calhar quero tanto, quero tudo, e tanto que não há tudo que aguente. se calhar não quero nada.

segunda-feira, março 20, 2006

as minhas nuvens

tenho dez mil nuvens cinzentas na cabeça. não há vento que puxe por elas. não chovem. enrolam-se umas nas outras. dez mil bolas de algodão sujas e electrificadas. flutuam. aliás, pairam. às vezes, muito às vezes, há um raiozinho de sol mais corajoso. enche-se de força e fura a água pesada das minhas nuvens. depois dissipa-se. mas as nuvens continuam. a pairar. é só o que sabem fazer.

espera

vejo um bocadinho de céu azul, pequeno, ao longe. está é do outro lado das minhas nuvens.

sexta-feira, março 10, 2006

melancholic workaholic

não tenho paciência para esta melancolia que me ataca nos raríssimos intervalos em que tenho tempo para pensar.

domingo, março 05, 2006

"un jour couleur d'orange..."

I

perco-me em memórias de coisas que nunca foram ou talvez tenham sido eu é que já perdi tanto tempo com elas que já nem sei de cor de que cor eram as nuvens quando decidi voltar as costas ou com que tintas pintei a boca quando te disse que era tarde demais para tanta inflexibilidade. ainda estou para saber como é que vai ser nesse dia cinzento em que o mar já cansado de tanta incongruência te sacuda e te baralhe e te faça abraçar a única razão que conhecemos e que é o estandarte de tanta aflição e de tanto morder de língua quando as palavras que sobem por nós acima são ácidas demais para as soltarmos preferindo nós para variar deixá-las a corroer-nos por dentro. depois quando esse dia chegar veremos se ainda cá estamos como sempre estivemos ou se já fomos consumidos pelo nosso próprio desamor.

II

apetece-me olhar para ti e deixar que me desafines como a um piano demasiado limpo, demasiado polido, demasiado no tom. é o cansaço que me enverniza e que me conduz no compasso acertado dos dias, oscilantes na sua desordem, como se nada conseguisse infiltrar-se nas minhas cordas bem esticadas. mas infiltra-se e abotoa-se esta infinita necessidade daquele algo mais que me desconstrua de uma vez, me esvazie os pulmões de todo o ar e me escureça a razão; que me ponha louca. outra vez. de uma vez.