quarta-feira, setembro 21, 2005

caminhos

não sei porque escrevo se na verdade não quero escrever. quero tocar na tua boca e calar-te e não quero ouvir nada, nem um sussuro, nem um suspiro, nem o mais ligeiro respirar. quero ser aquela pessoa, quero brilhar de uma vez sem ter que recorrer aos espelhos, às máscaras. aos artíficios - às artes dos meus ofícios. quero ser uma, ter a alma pura e o coração sossegado. quero beber o silêncio em grandes goladas, encontrado finalmente o oásis da minha descrença. não quero escrever. não quero tocar a minha dor, martelada por um piano de cauda, bonito mas desafinado, num esconso das minhas aventuras. desdita. quero sentir o abraço, o cobertor, o espaço seguro e infinito. quero ser redonda, perfeita como uma esfera, sem nenhum ângulo que se prenda inadvertidamente noutro de igual simetria. ou talvez assimetria. quero abrir a boca e fabricar sons como quem compõe uma sinfonia, abrir os olhos e libertar cores e luminosidades perfeitas, soltar as minhas mãos no vazio e delas ver surgir formas e texturas renascentistas, leves e perfumadas de paixões avassaladoras.

quero abrir-me em compassos eternos, etéreos como farrapos de sedas rasgadas e imponentes nos seus reflexos, caminhos sinuosos e quentes e meus.

terça-feira, setembro 13, 2005

não existe mais nada

viu o entardecer quente e luminoso, como os entardeceres em que atava as recordações aos postes da cama, com algemas de raios de sol e olhares de ternura dominadora. este entardecer dizia-lhe segredos, tal como os outros entardeceres que a envolviam em palavras de canela e mel que a suspendiam no sonho, quase inconsciente. e eram segredos inocentes, segredos que não estavam ainda soltos, suspensos. eram segredos que a faziam sorrir um sorriso decrescente, como o sol que desaparecia lentamente no horizonte incendiado de vermelhos. o sorriso arrastava-se com os filamentos rosáceos do entardecer, esses entardeceres em que o mundo congela e não existe mais nada, mais ninguém. e ela deixava que o sorriso se arrastasse, aproveitava-o antes de ele se transformar numa noite fechada, de luzes de prata e reflexos fugidios. uma noite como as que lhe cantavam odes de solidões deixadas às avessas, como as noites em que ela se deixava atar pelas recordações, levada pelos raios da lua e pelos olhares de submissão atenta.

e antes que o último bocadinho de sol se desvanecesse numa fúria púrpura, ela fechou os olhos e pensou que naquele instante não existia mesmo mais nada, mais ninguém.

sexta-feira, setembro 09, 2005

o sono

adormeço com todas as certezas cromáticas que me ornamentam o sono. sou uma, inteira e decidida, rainha e senhora do tudo e do nada, subvertendo as composições de outra maneira idóneas, carregando os sóis de um brilho cegante que não deixa ver para além da fronteira do sustentável. do escuro. acordo suada, sufocada, afogada num medo tangível.

escorrego dos braços quentes do sossego e só dou por isso quando me desfaço no chão.

domingo, setembro 04, 2005

é sempre o mesmo

não gosto de ir. não gosto porque quando vou encho-me da luxúria enganadora dos que vão - e rebolo em dunas de felicidade por fugir à rotina famigerada e soturna (ou assim se pensa, ou assim se diz) - e quando volto

quando volto está tudo na mesma - menos eu.