quinta-feira, abril 21, 2005

elogio da amizade verdadeira

(anos e anos que se transformam em eras, que nem a pior das inconstâncias consegue travar, verdadeiro sentido dos laços que se criam entre pessoas que se aproximam e acabam por se tornar indispensáveis na sua presença; tanta cumplicidade, por vezes silenciosa, marés de compreensão a que episódios fellinianos dão o brilho que nos torna essencialmente inseparáveis: episódios que se recordam para a vida, desde as irresponsabilidades tão típicas da nossa adolescência intensíssima – ou “como viver as coisas na altura certa”- até aos despertares da nossa idade adulta em que a frase “só a nós!” se torna uma constante...pudera! tantas as noites ao acaso, em que a supostamente depressiva “falta de programa” nos dá doses de surrealismo hilariante, bocados de filmes que não o são, é mesmo a nossa realidade, com tudo o que tem de bom e de mau e de único.

acordar às gargalhadas por ser tão impensável o sítio onde estamos a dormir, adormecer a rir porque não conseguimos controlar as esferas que nos entram na cabeça, e passar horas e horas em conversas intermináveis em que os assuntos não se esgotam, pelo contrário, nós sabemos bem como prolongar os nossos devaneios. e querer que o mundo inteiro nos compreenda e viaje connosco, mesmo sabendo que às vezes é tão intensamente díficil...somos felizes, acho eu. e é isso que melhor nos define. como pessoas. como amigas.)


terça-feira, abril 19, 2005

cegava

embrulhava-se em papéis de rebuçados de sabores vários e sabia que nas alturas em que não pensava era genuinamente feliz. não que não o fosse no resto do tempo, era tão fácil simplificar como complicar. e se a vida era uma sucessão de luas tão cíclicamente iguais, o melhor era mesmo agarrar os sóis que se lhes interpunham. brilhos diferentes, gestos iguais. e naquela sequência do despertar-adormecer havia sempre a incerteza dormente do amanhã; quem lhe garantia que o sol não explodiria no dia seguinte, deixando a escuridão e as migalhas flutuantes do que sobrasse dos calhaus onde assentava a vida ou a ausência dela? pedras e pouco mais. fogos-fátuos, águas plácidas, iridescências, vapores e fumos vários. reduzido a nada? ou seriam já o nada que teimavam em negar? regozijava-se com as névoas tímidas e envolventes dos cigarros que não fumava, imaginava-os pousados sobre os cinzeiros, lânguidos e deliciosamente mortais, ou não era assim o prazer do vício? como todos os vícios que se lhe entranhavam em cada minúsculo bocadinho de pele e a relaxavam, esfusiante e desgarrada como grãos de areia enrolados naquelas ondas frias e fortes de setembro. e às vezes fechava os olhos e sentia os gestos, os cheiros, os sabores que a elevavam e a desfaziam em féretros de luz rodopiantes. quase que cegava do êxtase, da recordação, da antecipação de passados, presentes e futuros baralhados em novelos que não queria desfazer. e não pensava e isso era tão absurdo e tão deleitante. descansava, no meio da agitação e do ardor e do querer. e sentia-se tão violentamente bem. já nem distinguia com exactidão os sonhos das realidades, das vontades, das possibilidades. e sabia bem que tudo não passava de uma enorme e avassaladora virtude, por muito que a imoralizassem. cegava. ah, mas os gestos, os cheiros, os sabores: esses reconhecê-los-ia em qualquer parte do mundo.

quinta-feira, abril 14, 2005

no decurso de conversas de café

a mim apetece-me dizer que sim. e que não, e que talvez, e que nunca se sabe, logo se vê, por mim tudo bem. porque esta história das pessoas é um desnorteio. raio de acaso cósmico (como eu gosto desta expressão!) que nos faz assim. assim ou assado ou como for, que eu hoje não estou para grandes pretensões literárias e as expressões gastronómicas servem muito bem para o caso. vernacular, é como eu estou. mas disfarço. pois claro. é como a outra mais as suas fúrias injustificadas. deixa lá. se calhar está felicíssima e isso é o que acaba por interessar. também já nem tenho paciência para grandes juízos de valor e desde que ninguém me chateie são todos livres de fazerem o que bem entendam. é o livre-arbítrio, ou o que lhe quiserem chamar. e se bater com a cabeça na parede é azar. eu já parti um vaso com a minha e, tirando a cicatriz, não me fez mal nenhum. e tu e eu e todos nós o melhor que temos a fazer é exactamente isso: o que nos apetece. a mim apetece-me dizer que sim. e que não. e descobrir o que há entre o nunca se sabe e o logo se vê.

quarta-feira, abril 13, 2005

normal

quando sabes o que queres saber achas que há sempre qualquer coisa que ficaste por saber. não soubeste tudo. saberias, se tivesses realmente sabido mas...é sempre aquele "mas" que te deixa a pensar se realmente sabes ou algum dia saberás. sim, porque o que soubeste já sabes, mesmo que não tenhas sabido qualquer coisa que deixaste escapar. é o problema do saber. quanto mais sabes, mais queres saber. e quanto mais tentas menos ficas a saber e às tantas não sabes é nada. é fodido. mas é bom saberes que por mais que saibas há sempre um saber qualquer que fica...por saber.

domingo, abril 10, 2005

hoje faz um ano

sexta-feira, abril 08, 2005

life in anarchy wonderland*

(sala. caixa de bombons acabada de abrir.)

m - olha, vamos dividir estes já [porque são os melhores].
eu - não é preciso. se já comi um sei que não vou comer os outros cinco.
m - sabes qual é o teu problema? és demasiado civilizada. eu chegava aqui e comia todos.

*ou como o mais inocente dos diálogos se pode transformar num poderoso "insight"

quarta-feira, abril 06, 2005

do amor fraternal

há sentimentos que não são passíveis de descrição, são impossíveis de fechar em qulquer linha, de traduzir em qualquer palavra de qualquer língua. são emoção pura e inexplicável, daquelas que só o sangue pode fazer sentir, o sangue ou o amor incondicional ou qualquer outra lógica dizimada que se transforme em imensa espiral de grandiosidade incontida – de amor e é mesmo disso que se trata.

(criatura maquiavélica de infímas proporções e caninos desmesurados, carinha inocente e mente distorcida – viu-se no que deram aquelas infindáveis historietas do rapaz e o rapaz e o rapaz...e as môas, coitadas.)

há convivências que são inevitáveis, eu diria até forçadas num sentido pacífico mas conformado, e ainda bem que assim o são. porque quer sejam acasos, sortes ou estrelas de qualquer espécie, a verdade é que é mesmo muito bom quando as circunstâncias se tornam realidades indispensáveis – e qualquer ideia de “fim” se torna, em si própria, incongruente e impensável.

(de cozinhados e cogumelos, da timidez e de outras histórias, tantas noites e tantos dias em que a conversa nos nutre, como se precisássemos de impulso!; de “reuniões” furtivas, da partilha e do verdadeiro significado do que somos “nós”)

há pessoas que são impressionantes, por tanto que significam mesmo que nem sempre se apercebam. donas da humildade que lhes permite fazerem o que quiserem e transformarem as lágrimas em pingas de açucar deslumbrado enquanto despertam sorrisos que antes de mais aquecem sem esmorecer. e nos fazem querer para sempre ser parte de toda a História.

(a nossa. eterna.)

segunda-feira, abril 04, 2005

(des)creio

descreio porque parto, sim, mas de mãos
atadas e olhar despedaçado; porque não
são os caminhos tortuosos os que quero
percorrer; porque me deixo enlear pelo
doce sussurrar da cobardia que me sopra
murmúrios de calor – engana-me...

descreio porque não sou forte, não, apesar
de não querer nada mais com o mesmo
furor, e pela mesma via se arrefece o meu
coração (perdido, absorto, já dado quase
morto), em toda a sua pequenez me puxa
e com os seus vapores me seda

numa tranquilidade insuportável.

(e creio, creio mais do que nunca, só
e apenas - porque não deixo de sentir)

sábado, abril 02, 2005

apetece-me (post destruidor)

partir a loiça, toda a linda loicinha, os pratinhos de merda e os da vista alegre, os copos altos, os de vinho, os de whiskey, os balões e as flûtes do champagne. as companhias das índias, as travessas e os tabuleiros, os pratos grandes, os de sopa e os da sobremesa, os de fruta e os de doce e até a porcaria dos marcadores, os azuis, os brancos e os cor-de-rosa e já agora os de plástico, se os encontrar. apetece-me partir chávenas de café e de chá, canecas, saladeiras, copos de shot e jarros de água, pires e açucareiros. e aquelas jarrinhas para o leite do chá também. e já agora porque não as manteigueiras, aquela gigantesca travessa das trutas, as taças das sobremesas e os cálices de vinho do porto também. tudo, tudinho, estilhaçado em milhões de bocadinhos de vidro e de cerâmica desfeita, mal-feita e contrafeita.

bem feita.

(e de uma vez só aquela terrina monstra da sopa, horrível, medonha, que nunca foi usada nem nunca há-de ser.)